REI SOL E MENINA TOUPEIRA – Conto Infantil
No parque de uma pequena cidade, vivia uma jovem toupeira debaixo da terra, ora escavando à procura de alimento, ora recolhendo-se na sua toca. E vivia feliz, porque as toupeiras vivem felizes assim…
Certo dia, porém, não encontrando no subsolo o alimento que desejava, resolveu cavar até atingir a superfície terrestre.
“Talvez lá em cima eu encontre algum caracol apetitoso”, pensava ela enquanto revolvia o solo.
Era verão. E quando a menina Toupeira chegou ao exterior, um raio luminoso de sol foi o primeiro a cumprimentá-la:
– Muito boa tarde, menina Toupeira! Então, decidiu-se finalmente a vir à superfície da Terra?!…
A toupeira, que não estava habituada à luz, ficou muitíssimo irritada com semelhante encontro inesperado, e resolveu tratar mal o Sol:
– Mas quem é que você pensa que é, para me assustar de tal maneira? – perguntou-lhe ela, num tom atrevido.
– Bem, eu não quis assustá-la! – exclamou o Sol, surpreendido com a reação da toupeira. – Só me alegrei por ficar a conhecer mais um habitante do meu reino.
– Do seu reino?! Mas que ousadia! Pois fique sabendo que este território é só meu!!
– Não digo que não. Mas quem reina sobre ele sou eu!
– E a que propósito, posso saber?!
– Pelo simples facto de ser eu quem sustenta a vida em toda a Terra! – afirma o Sol com a autoridade de um rei.
– E que rei é vossa alteza, se não habita no seu reino?! Pois ainda que, com os meus pequeníssimos olhos, eu não seja capaz de enxergar muito bem, posso, contudo, garantir-lhe que, se eu habito na Terra, você habita no céu. Por isso, se é rei, só o pode ser aí no céu, e não aqui na Terra!
Ofendido e intrigado com esta afirmação da toupeira, o astro-rei retirou-se, sem se despedir ou dizer para onde ia. E foi assim que uma tarde de verão, quente e luminosa, se transformou, dum momento para o outro, numa noite fria e sombria.
Menina Toupeira ficou feliz. Tendo combatido com sucesso o seu incómodo interlocutor, podia agora procurar calmamente o tão desejado caracol, sem que a luz do Sol a perturbasse.
Os restantes animais e a flora daquele parque, porém, não encontraram qualquer satisfação no que acabara de acontecer. Na realidade, todos eles amavam o Sol. E, revoltados, decidiram castigar a toupeira. Formando um círculo à sua volta, para a amedrontar, começaram a ameaçá-la:
– Se o Sol não regressar, és tu a culpada! Vais ter de pagar pelo que fizeste! – disse-lhe, muito zangado, um cisne que tinha acabado de sair do lago, enquanto sacudia a água das penas.
– O senhor Cisne tem toda a razão! – acrescentou uma garça-real. – Tu não passas de uma pitosga mal-educada!
– E ingrata! Porque, afinal de contas, tu também precisas do Sol para sobreviver! – resmungou uma das pombas que andavam por ali.
– Isso não é verdade – atreveu-se a dizer a toupeira, em voz baixa, apesar do medo que sentia. – Eu nunca precisei do Sol para sobreviver. Eu nem sabia que ele existia…
– Não sabias, porque viveste sempre debaixo da terra. Se fosses mais sociável, já terias vindo há mais tempo à superfície, para ficares a conhecer a vida ao ar livre – comentou um carvalho-roble que crescera próximo do lago.
– Mas eu não tenho culpa – defendeu-se a toupeira. – Se eu sou assim, foi porque a natureza quis que eu assim fosse. Ninguém tem culpa de ser como é – acrescentou, já um pouco mais confiante.
– Ela tem razão – disse um lírio que tinha brotado perto do carvalho-roble. – Se pensarmos bem, nós somos todos diferentes. E cada um de nós tem as suas deficiências. Olhem para mim: nasci na primavera e quando chegar o outono já vou ter de me despedir de vocês! É certo que sou uma flor muito bonita e que todos me admiram, mas eu preferia ser menos bela e durar mais tempo…
– Pois eu já não posso dizer o mesmo – argumentou o carvalho-roble. – Comigo, passa-se tudo de forma bem diferente… A minha vida é muito longa, posso durar mil anos. No entanto, tenho as raízes tão presas à terra que, ainda que muito desejasse, nunca seria capaz de me deslocar nem um centímetro.
– É verdade – disse um pinheiro-manso, concordando com o carvalho-roble. – Esse é, sem dúvida, o principal problema de todas as plantas.
– A culpa é toda da natureza! – exclamou a toupeira, feliz por ver que os queixumes das árvores e do lírio tinham virado a situação em seu favor.
– Pode ser que a culpa seja da natureza – acrescentou o cisne –, mas o certo é que foste tu quem fez com que rei Sol se fosse embora. E se não queres ser castigada, vais ter de fazer com que ele volte.
– Tal e qual! – apoiou a garça-real.
– E depressa! Os meus filhotes já começaram a queixar-se do frio! – acrescentou uma pata que passeava com os seus patinhos junto ao lago.
– Mas como posso eu procurar o Sol?! – argumentou a toupeira maldisposta. – Ele vive no céu, e eu debaixo da terra! Nem asas tenho para voar…
– Esse problema, vais resolvê-lo sozinha! – exclamou a garça-real. – Também não pediste a nossa opinião antes de maltratar o nosso querido rei Sol.
Todos concordaram. E estipularam que a toupeira tinha exatamente vinte e quatro horas para fazer o Sol regressar ao céu do parque. Nem mais um minuto!
Desesperada com a situação em que se encontrava, a menina Toupeira pôs-se a escavar a terra, cheia de raiva. E escavou, escavou, escavou…
Passadas algumas horas, a toupeira já tinha, muito provavelmente, escavado mais do que em toda a sua breve vida. O resultado foi a construção de um túnel subterrâneo que ia dar a um jardim que ficava mesmo no centro da cidade. Saiu para a superfície. Lá, também não havia luz do dia.
– Senhor Sol! Sua Alteza Real?! – chamou ela em voz alta. Mas… nada! Definitivamente, ali, o Sol também não estava.
Passeou então pelo jardim da cidade. Não se viam pessoas. Como o Sol desaparecera de repente, pensaram que já era noite e tinham ido todas para casa dormir. E os fantasmas tinham regressado, como fazem todas as noites, quando já não há pessoas nas ruas. É lógico que assim seja, porque os fantasmas têm medo das pessoas. E sabes porquê? Bem, é assim: estes fantasmas que aparecem de noite nas ruas são muito preguiçosos e brincalhões, e só gostam de fazer o que lhes agrada. Por isso, têm receio que as pessoas os descubram e os obriguem a trabalhar, ou então que pensem que eles são maus e os coloquem numa prisão… O que seria uma grande injustiça, pois estes fantasmas da noite são inofensivos, simpáticos e bem-dispostos.
A menina Toupeira observou-os muito admirada. Ela nunca tinha visto um fantasma. Ficou até de boca aberta, sem a conseguir fechar – tão grande era o seu espanto!… Pareciam nuvens brancas em forma humana: uns eram já velhos e andavam de bengala; outros eram muito vaidosos e usavam um lenço branco ao pescoço; outros, muito janotas, fumavam charuto e usavam cartola; as senhoras, sentadas nos bancos do jardim, tricotavam cachecóis muito compridos, todos brancos; e, os mais novos, andavam de skate, dançavam nas ruas e faziam rap:
Sou um fantasma…
Da madrugada…
Nunca vou prá cama…
Pois não durmo nada…
Toda a noitinha…
É uma borguinha…
Enquanto os outros dormem…
Faço uma festinha…
Quando a toupeira ouviu estes fantasmas jovens a cantar, ficou toda entusiasmada: “Serei também eu um fantasma da noite, mesmo sem o saber? A vida deles agrada-me: vivem felizes, e não precisam de escavar a terra…”, pensava ela com os seus botões.
Aproximou-se de uma das senhoras que tricotavam, sentadas no banco do jardim, e perguntou-lhe:
– Dona Fantasma, seria capaz de me ajudar?
– Depende… de que tipo de ajuda necessita?
– Eu precisava de encontrar Rei Sol – disse a toupeira, um tanto receosa.
– Rei Sol…, rei Sol…, hum…, não! Lamento, mas não posso ajudá-la – respondeu a senhora Fantasma, depois de ter refletido. – Rei, não conheço nenhum – acrescentou. – Só rainhas. A Fada da Vida Noturna, por exemplo. É a mais simpática de todas! Se me pergunta, até foi por isso que nós…
– Mas eu não perguntei! – interrompeu logo a toupeira, que não queria perder o seu tempo a ouvir histórias de fantasmas. – Eu só queria saber onde está o Sol, para lhe pedir que regresse ao céu e traga de novo a luz do dia.
– Dia?!! Cruzes, canhoto!! A menina Toupeira tem noção do tamanho do disparate que acabou de dizer?!! – gritou a senhora Fantasma, deixando cair ao chão as agulhas com o cachecol que estava a tricotar…
Amedrontada e surpreendida, a toupeira ficou de boca fechada, sem vontade de falar, mesmo que soubesse o que dizer!…
– Vocês ouviram isto? – perguntou em voz alta a senhora Fantasma aos seus companheiros.
E se tinham ouvido! Até os velhos de bengala vinham a correr em direção ao banco do jardim!…
Era um escândalo!! Todo o fantasma, por mais ignorante que fosse, sabia que o dia é o pior inimigo da noite e, consequentemente, dos fantasmas. Incrível! Como é que alguém podia desejar que a luz do dia voltasse?!…
– Não, não! Quem quer isso não sou eu… – acrescentou, prontamente, a toupeira, antes que fosse castigada de novo; desta vez, pelos fantasmas da noite. – Eu até me zanguei com o Sol! Garanto-vos que não gosto da luz do dia!…
– Ah!… Isso já é diferente! – acrescentou, aliviado, um dos fantasmas. – Então, quer dizer que a menina Toupeira também é uma das nossas…
– Bem… – respondeu a toupeira, um tanto hesitante – para ser sincera, eu não sei. Vendo bem as coisas, vocês são brancos, e eu não…
– Tem razão – afirmou outro fantasma. – Fantasma que se preze tem de ser sempre branco!
– Mas esse problema é fácil de resolver – acrescentou a senhora Fantasma. – Se a menina Toupeira quiser ser uma das nossas, basta chamar a Fada das Cores…
A toupeira pensou sobre o assunto, calmamente, e concluiu para si: “Parece-me que não tenho nada a perder. Dessa forma, os animais do parque já nem podem castigar-me, por eu não ter encontrado o Sol. Além disso, a vida dos fantasmas é muito mais divertida que a das toupeiras…”
– Estou de acordo! – exclamou, por fim, resoluta.
Chegou a Fada das Cores e pintou a toupeira toda de branco, com a sua varinha de condão em forma de pincel. Agora, sim, a menina Toupeira era verdadeiramente uma menina Fantasma! E era um fantasma muito especial, porque era o primeiro fantasma que não tinha forma humana, mas forma de toupeira. Há até quem diga que ficou famosa no mundo dos fantasmas, por causa disso. Consta que criaram uma lenda a seu respeito. E os fantasmas crianças estão sempre a pedir aos mais velhos que lhes contem a estória…
Quanto a Rei Sol, esse só tinha ido tomar um banho no mar, para refrescar as ideias, depois daquela conversa com a menina Toupeira que o tinha deixado intrigado. E como nenhum rei deixa o seu reino, só por causa de uma simples toupeira, voltou no dia seguinte de manhã, à mesma hora de sempre.
Os animais e a vegetação do parque – que, entretanto, já tinham perdido a esperança que o Sol regressasse – cumprimentaram-no cheios de alegria. E, felizes, gostavam de ter feito as pazes com a toupeira. Mas, até hoje, não voltaram a vê-la…
Onde teria ficado? Ninguém sabia.
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