O URSO QUE SONHAVA…
…SER UM TEDDY BEAR
Esta é a história de um urso que não tinha nome. Ele vivia num jardim zoológico e era um urso como outro qualquer: alto, gordo, muito peludo, com uns olhos redondos e negros.
Da sua jaula, onde estava preso e só, via passar as crianças, que o olhavam e admiravam. Parecia que o achavam muito interessante, mas ele não sabia porquê. Na realidade, as crianças não o faziam feliz.
Um dia, porém, passou perto dele uma menina. Parou para o observar. Com a mão direita, segurava um grande chupa-chupa cor-de-rosa, que ela saboreava com alegria. Com a outra mão, apertava contra o peito, com muita ternura, um grande teddy bear castanho.
O urso olhou fixamente a criança, e desejou: “Quem me dera ser assim um simples teddy bear!”
Os dias foram passando, como se na vida do urso nada tivesse mudado. No entanto, dentro de si, ele sentia-se diferente: um calor aquecia-lhe o peito grande e peludo; o coração batia com mais força do que nunca. Era o sonho que ele tinha… O sonho de um dia encontrar uma criança que quisesse ser sua amiga.
Certa noite, depois de ter ido colocar alimentos no interior da jaula onde o urso se encontrava aprisionado, o empregado que tratava dos animais saiu de lá, esquecendo-se de fechar a porta.
“Que sorte a minha! Nem dá para acreditar…”, pensava o urso, enquanto observava a porta, que se ia abrindo lentamente, com o vento a bater-lhe. Olhou à sua volta, para ver se alguma pessoa estaria por perto. Mas não, àquela hora, não havia visitas ao jardim, e o empregado já tinha desaparecido… Era uma oportunidade única! O urso encheu-se de coragem, deu os primeiros passos em direção à porta, e saiu.
“Mas como é estranho andar cá fora, num espaço sem grades!…”, admirava-se. Sabes porquê? A verdade é que este urso de que trata a nossa história nunca tinha vivido em liberdade. Ele nascera ali, naquele jardim zoológico, e tinha vivido sempre enjaulado. Por isso, quando se encontrou pela primeira vez em liberdade, pensou que tinha adormecido e que tudo aquilo não passava de um sonho… Mas, a certa altura, uma voz forte de elefante grita-lhe:
– Ó senhor Urso, aonde pensa que vai a esta hora? O portão do jardim já está fechado!
O urso, surpreendido com as palavras do elefante, para e fita-o, muito admirado. O elefante continua:
– É verdade! Pode crer! Eu sei o que digo…
– Sabe?! – pergunta-lhe o urso. – E como é que sabe?
– Não se esqueça que, quando o meu amigo nasceu, eu já aqui vivia! E o senhor Urso não é o primeiro animal a tentar fugir do jardim…
– Não?!!… Quer dizer que já algum tentou sair daqui sozinho?
– Já! Mas não foi muito longe…
– E porque não?!
– Porque o apanharam à saída…
– E quem foi esse animal?
– Foi um chimpanzé que vivia numa jaula perto daqui. Era muito esperto e estava permanentemente a engendrar planos de fuga… Mas nenhum resultou, porque o vigilante andava sempre com um olho em cima dele.
– Não me diga! E onde é que ele está agora? Ainda vive aqui?
– Não, não! Há já alguns anos que o diretor do jardim zoológico resolveu mandá-lo de volta para África. Disse que não queria cá nenhum chimpanzé insubordinado: – “Dá muito trabalho!” – argumentou ele. Além disso, disse que já estava farto de receber queixas por parte dos visitantes do jardim, que acusavam o chimpanzé de este lhes atirar com cascas de banana, quando eles passavam perto da sua jaula. Era muito atrevido!
– Não sei! – comenta o urso. – Se calhar ele é que tinha razão… Ou o senhor Elefante gosta de viver aqui preso, sem nunca ter licença para dar um passeio lá por fora?!
Uma girafa que tinha estado a ouvir a conversa, muito interessada, resolve meter a colher, dando a sua opinião:
– O senhor Urso tem toda a razão! Se formos a ver as coisas como elas são, aqui, nenhum animal está contente com a sua situação. Eu também já pensei várias vezes em fugir. O problema é eu ser tão alta, e o portão de saída tão baixo…
– É mesmo! – acrescenta o elefante. – E estreito. Para o meu tamanho também não dá.
– Além do mais, quando não está fechado, tem o porteiro a controlar as saídas; e quando não está lá o porteiro, está fechado – argumenta um hipopótamo, que vivia num lago perto do terreno do elefante.
– Não me diga que o senhor Hipopótamo também já pensou em fugir!? – exclama, muito admirado, o elefante. – Por essa é que eu não esperava!..
– Não compreendo por que razão é que se surpreende! – defende-se o hipopótamo. – Só por eu não gostar de falar, nem ser capaz de gritar tão alto como um elefante, não se pode concluir que eu não tenha, também, ideias revolucionárias…
– Com certeza que as tem! – diz a girafa, apoiando-o. – Não se pode julgar um animal só pela sua aparência… Senão, olhem para mim: tenho um longo pescoço e, contudo, não gosto de espreitar dentro da jaula dos outros animais.
– E o meu nariz é compridíssimo, mas não o meto onde não sou chamado – concorda o elefante.
– E eu, mesmo que tenha uma boca muito grande, não gosto de falar – acrescenta o hipopótamo.
– Pelo que me contam, posso concluir que eu não sou o único a desejar ser diferente do que sou… – comenta o urso.
– Porque diz isso?! – interroga a girafa.
– Porque me parece que todos nós, não só estamos insatisfeitos com o facto de vivermos aqui presos, como também não estamos felizes com o que somos…
– É capaz de ter alguma razão… – diz o elefante, pensativo. – É verdade que eu já desejei não ter um nariz tão comprido. Se tivesse um nariz pequenino, já ninguém me punha moedas nele, e eu não precisava de puxar a corda daquele sino, dezenas de vezes ao dia – esclarece ele, apontando com a tromba para um sino que estava pendurado numa parede atrás de si.
– Pois é! Eu também já pensei que se não tivesse um pescoço tão longo e umas pernas tão altas, talvez as crianças que visitam o jardim também gostassem de me mimar, como fazem com as gazelas… – confessa a girafa.
– E de mim não fugiam, cheias de medo, por eu ter uma boca enorme… – conclui, com um tom de tristeza na voz, o hipopótamo.
– E o senhor Urso, com o que é que está insatisfeito? – pergunta a girafa, curiosa.
– Para ser sincero, insatisfeito eu já não estou, porque agora estou livre e já posso tentar realizar o meu sonho – esclarece o urso.
– “O seu sonho”!? – exclama o elefante, estupefacto.
– Sim! O meu sonho! – reafirma o urso. – Todos temos o direito de sonhar, ou não temos?
– Não sei… – argumenta o elefante. – Eu nunca fui sonhador! Prefiro ser realista.
– Mas os sonhos também se podem tornar realidade, se nós nos esforçarmos por os realizar!… – exclama a girafa.
– E é mesmo isso o que eu tenciono fazer! – concorda o urso.
– E posso saber qual é o seu sonho? – pergunta o hipopótamo, interessado.
– Eu gostava de ser um teddy bear… – explica o urso, contando de seguida como e quando tinha nascido nele esse desejo.
– Afinal, enganei-me a seu respeito – diz o elefante. – O meu amigo não é um sonhador, é um tolo!… Pois acha que alguma criança seria capaz de pegar em si ao colo e de brincar consigo, como se você fosse um teddy bear??!!
O urso ficou muito ofendido e magoado com estas palavras do elefante. “Quem é que este trombudo pensa que é, para destruir o meu sonho assim de um momento para o outro?”, pensava ele com os seus botões. Mas como não queria perder o seu tempo com discussões inúteis, despediu-se depressa e maldisposto:
– Bem, tenho de ir… Não posso passar toda a noite aqui, na conversa. Adeus! – diz ele, virando as costas aos três e partindo em direção à saída.
– Adeus! – respondem-lhe o elefante, a girafa e o hipopótamo, em conjunto.
– Espero que consiga realizar o seu sonho! – acrescenta ainda a girafa.
O urso passou rápido e ligeiro pelos caminhos do jardim zoológico. Não fosse o empregado voltar! Em poucos minutos, já tinha atingido o portão de saída. Estava fechado, como dissera o elefante, mas o urso não ficou preocupado. “Eu tenho garras!”, pensava ele, olhando o alto muro de pedra que cercava o jardim e vinha terminar ali, de um e outro lado do portão. Trepou-o, fincando as garras fortes nas pedras, para não cair. E foi sentar-se por cima dele, a observar uma cidade, que se avistava à distância.
Era noite, e as ruas estavam desertas e escuras, iluminadas apenas pelos candeeiros dos passeios e pela luz que, do interior das casas, saía pelas janelas. E vista assim, do cimo do alto muro que protegia o jardim zoológico, aquela cidade parecia de brincar…
O urso alegrou-se com o espetáculo noturno e, lentamente, foi começando a sentir-se um pouco como aquele teddy bear que ele tinha visto ao colo da menina….
Algum tempo depois, desceu o muro; e foi ao encontro daquela cidade que o fascinara, à distância. Caminhou por um pequeno caminho de floresta, até chegar a uma estrada larga. E continuou a andar, pela estrada fora, sempre sem parar…
De vez em quando, passava por ele um carro e buzinava… O Urso assustava-se. Uma vez até lhe gritaram do interior de um dos carros:
– Ó seu urso, saia da estrada!
Mas o urso não saiu. Queria lá saber que lhe gritassem! Ele só queria era chegar à cidade…
Concluída uma meia hora de caminhada, avistou as primeiras casas. Começava ali a cidade de brincar. E, à sua frente, na berma da estrada, encontrava-se uma grande placa onde estava escrito: “Bem-vindo à Cidade dos Sonhos”.
“Como devem ser simpáticos os habitantes desta cidade!”, pensava o urso, contente. “Colocaram aqui uma tabuleta a dar-me as boas-vindas, mesmo sem me conhecerem. Nesta cidade, vou por certo conseguir realizar o meu sonho!”
Ao entrar na cidade, o urso admirava-se do que via. É natural que assim fosse, ele nunca tinha visto nada igual!… Era tudo novidade para ele. E até mesmo os semáforos dos cruzamentos por onde passava o alegravam: como era divertido vê-los a mudar do vermelho para o amarelo, e do amarelo para o verde, e pouco depois do verde para o amarelo, e do amarelo para o vermelho!
Encantado e feliz, o urso ia passando pelas ruas da cidade, observando as montras das lojas, espreitando pelas janelas das casas… Chegou mesmo a abanar um dos automóveis que estavam estacionados na rua; e até tentou trepar a uma árvore, mas caiu, porque era demasiado pesado e a árvore muito pequena e frágil.
Depois, descobriu uma escola. Abriu o portão, entrou e foi para o recreio. Baloiçou nos balancés, saltou às cordas, jogou à patela, deslizou nos escorregões e bateu com a parte traseira com toda a força no chão de terra…
– Ai, ai! afinal, brincar também pode fazer doer… – comentava ele de si para si, choramingando. – Será melhor eu procurar um sítio onde possa dormir. Já estou cansado…
O urso percorreu então as ruas da cidade, à procura de um lugar onde pudesse descansar, e encontrou, por fim, um parque. Era grande e bonito, cheio de árvores. No seu centro, tinha um lago com patos. E, perto do lago, havia um grande tronco de árvore, que tinha sido transformado numa casa de rés-do-chão e primeiro andar. O rés-do-chão tinha uma porta pintada de cor-de-rosa. Ao lado direito da porta, estava pendurado um letreiro no qual se podia ler: “Arrenda-se”.
O senhor Urso leu o letreiro e pensou, maravilhado: “Mas que linda casa! Aqui, vou de certeza viver feliz… Até tem uma porta cor-de-rosa!”
Ainda te lembras de que cor era o chupa-chupa daquela menina do teddy bear? Pois é! Era cor-de-rosa… Foi por essa razão que o urso gostou daquela porta. E gostou tanto, que se aproximou dela, pegou no batente e bateu três vezes: “truz, truz, truz”…
Um esquilo surge à porta do primeiro andar, e pergunta-lhe:
– O que deseja?
– Boa noite! – cumprimenta o urso. – Eu vi este letreiro de arrendamento – esclarece – e como estou a precisar de uma habitação…
– Ah! pretende arrendar o rés-do-chão… Muito bem! Eu vou aí mostrar-lho.
O esquilo desce pelo tronco até ao chão. Abre a porta cor-de-rosa, e diz ao urso:
– Tenha a gentileza de entrar! Vai ver que é espaçoso… E a cama é muito confortável!
O urso entrou, observou, e alegrou-se. No interior do apartamento havia uma cama muito fofa, cor-de-rosa. Uma mesa redonda, cor-de-rosa. E uma cadeira de baloiço, cor-de-rosa… Era um “sonho cor-de-rosa”!….
– Arrendo! – afirma o urso, sem precisar de pensar.
– Ótimo! – exclama o esquilo. – A renda anual é de mil avelãs… Pode colhê-las diretamente das aveleiras do nosso parque.
O urso concordou.
– Então está combinado… até amanhã! – despede-se o esquilo, radiante por ter encontrado um inquilino daquele tamanho. “Para este, colher as minhas avelãs, vai ser mais um divertimento do que um trabalho!”, pensava ele.
O urso entrou no seu apartamento, fechou a porta, deitou-se na cama fofa… e adormeceu…
– Bom dia, Joana! Tens de acordar… já são horas de levantar… Hoje, vais fazer uma visita de estudo ao jardim zoológico, lembras-te?
A Joana acorda lentamente… vê o rosto da mãe, que se debruça sobre ela, para lhe dar um beijo… esfrega os olhos com a mão direita… e, com a mão esquerda, aperta contra o peito, com muita ternura, o grande teddy bear castanho, com que ela dorme todas as noites…
Desejo-te sonhos cor-de-rosa!
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