NO PLANETA DOS NÚMEROS – Estória do 0,1


Num lugar não muito distante deste em que habitamos, existe um Planeta – é o Planeta dos Números. Lá, vivem todos os números: os que tu conheces, e os que tu não conheces.

Os números são infinitos. Pois, até hoje, ainda ninguém os conseguiu contar até ao fim.

Eu vou contar-te a história dos algarismos. Eles são dez, como deves saber: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9. E, com eles, se formam todos os números que existem.


Senhora 0 no País dos Valores


Senhora 0 vivia insatisfeita numa pequena aldeia de um País muito pobre e pequeno do Planeta dos Números. Era o País do Nada.

Certo dia, quando já não suportava mais a sua situação, resolveu emigrar. Deixou o seu País, para tentar melhor sorte num País vizinho mais rico e mais poderoso. Fez uma longa viagem a pé, através de montanhas e cidades desconhecidas. Mas, quando finalmente avistou a fronteira que era o seu alvo, ela se alegrou. E foi com grande ansiedade que percorreu os primeiros quilómetros naquele País estranho. Dentro de si, no seu coração, procurava… nem ela própria sabia bem o quê.


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Quando ficou cansada, já ao anoitecer, sentou-se numa pedra do caminho e adormeceu.

A meio da noite acordou. Um ruído lento e prolongado chegava até si, e um vulto começou a distinguir-se entre as trevas da noite. Era o senhor 1.

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A senhora 0 não o conhecia. No entanto, gostou dele. O seu ar era desiludido e, olhando sempre para o chão, parecia ainda não ter dado pela presença da sua observadora.

– Boa noite! – diz-lhe a senhora 0 para lhe chamar a atenção.


O senhor 1 parou. Olhou-a demoradamente. Depois, perguntou-lhe muitíssimo admirado:

– Também és um algarismo?!

– Claro que sou um algarismo! Então o que é que eu havia de ser, se não fosse um algarismo?!…

– Desculpa! Não queria ofender-te. É que eu nunca tinha visto um algarismo assim!…

– “Assim?!…”  Assim como?!…

– Bem, assim! Assim como tu. Toda redonda!… Até me parecias uma bola gigante.

– “Uma bola?!… Uma bola?!…” Olha lá, meu narigudo, já mediste o tamanho do teu nariz que te dá quase até ao chão?

– Eu já sei que o meu nariz é demasiado comprido. Não és a primeira a dizer-mo! Mas para mim, não tem importância. Porque, neste País, eu também não valho nada…

A senhora 0 ficou impressionada com as palavras do senhor 1.  Na verdade, nunca tinha encontrado alguém tão pessimista.

– Por que dizes uma palermice dessas: “que não vales nada”? Todos os algarismos têm valor! Todos somos diferentes, mas, por causa disso, ninguém precisa de se sentir inferior.

– Isso é o que tu pensas – respondeu o senhor 1 –, porque és uma estranha nesta terra, e não conheces as nossas leis. Aqui, no País dos Valores, há uma escala de categorias. E cada algarismo vale pela categoria a que pertence. Eu estou na escala mais baixa, porque sou um 1. Acima de mim, estão os  2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, e os 9

Como vês, eu não tenho hipótese alguma de ser bem visto nesta sociedade…

A senhora 0 escutou o senhor 1 com muita atenção. E a sua primeira preocupação, foi a de tentar descobrir qual viria a ser a sua posição, naquela escala de valores. Perguntou então curiosa:

– E eu, que lugar é que eu vou ocupar?

– Como é que tu queres que eu saiba? – retorquiu estupefacto o senhor 1. – Aqui não existe nenhum algarismo como tu… provavelmente nem te vão aceitar na nossa sociedade.

– A senhora 0 ouviu este comentário com tristeza e desilusão. Apesar disso, não desistiu. E, uma ideia brilhante, surgiu-lhe como um relâmpago:

– Olha lá, e se nos casássemos? – perguntou de repente.

– “Se nos quê???…” – perguntou extremamente aflito o senhor 1, que já nem queria confiar nos seus ouvidos.

– Não entendo a tua admiração – afirmou, calmamente, a senhora 0. Afinal de contas, todos os algarismos se casam algum dia! Ou não é assim, aqui nesta terra?…

– Claro que não! Nós nunca nos casamos. Cada um vive a sua vida para si próprio.

– Então chegou a altura de alguém modificar isso – respondeu resoluta a senhora 0. – Acho que nos devíamos casar. Assim, tu já não te sentirias tão só, e eu poderia  ser aceite pela vossa sociedade.

Tal como a senhora 0 disse, assim também se fez. E, na manhã seguinte, partiram os dois juntos, de mãos dadas, como um casal. O senhor 1 do lado direito, por ser o algarismo masculino, e a senhora 0 ao seu lado esquerdo. Faziam um lindo par…



Á medida que foram caminhando, foram conversando alegremente um com o outro. E quando finalmente chegaram perto da próxima cidade, que era a capital do País, já eram grandes amigos. Já nada existia que um não soubesse acerca do outro. Por isso, já não eram um simples casal de algarismos, eram um número – o número 10.


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Quando o número 10 entrou na cidade, todos os algarismos o olhavam atónitos, porque nunca tinham visto um número. Mas, embora fosse muita a curiosidade, ninguém se atrevia a falar-lhe ou a perguntar-lhe o que quer que fosse. Pois, devido ao ar confiante e seguro com que pelas ruas passava, todos os algarismos entenderam que aquele número valia mais do que qualquer um deles.


Acontece que, nessa altura, havia eleições no País dos Valores. O 9, que até àquela data governara, estava velho e cansado, e pedira a sua demissão. Por essa razão, faltava um regente. Era necessário escolher, o mais rápido possível, um outro 9 que viesse a governar o País. Porém, na sua vaidade e ambição, os 9 lutavam entre si, tentando provar aos algarismos inferiores ser um melhor do que o outro para o cargo.

– Uma verdadeira calamidade!

Entretanto, o número 10 aproximava-se da praça principal. E, passando entre a multidão de algarismos, observava atento o decorrer dos acontecimentos. Foi então que um algarismo 5 reparou muito interessado na sua presença.

– Mas aqui está a solução! – Exclamou ele em voz alta. – E, correndo eufórico, colocou-se no centro da praça, e chamou a atenção de todos com as suas palavras:

– Compatriotas! Escutai-me com atenção! O nosso tempo de crise chegou ao fim! A solução para o nosso problema já está no nosso meio! Vejam, ali! Um número 10 acaba de chegar à nossa cidade!…

Não se sabe ao certo quem ficou mais chocado com esta afirmação: se os 9, que de cólera quase explodiam, ou o número 10, que ainda não tinha tomado consciência do seu valor. O que é certo, é que já nada podia ser evitado. A multidão gritava de alegria:

– Viva o número 10!

Foi assim que, em menos de nada, o número 10 passou a reger o País dos Valores.

O seu governo foi calmo, ordenado e sábio… até o dia em que ambos, em simultâneo – a senhora 0 e o senhor 1 –, começaram  a mostrar-se insatisfeitos com a posição que um ocupava em relação ao outro. E depois de longas discussões, resolveram trocar os lugares: o senhor 1 passou a ocupar a posição esquerda, e a senhora 0 a da direita. Ficaram assim: 01

Mas devido a esta decisão, os seus dias, como regente do País dos Valores, estavam contados. A população de algarismos não estava disposta a deixar-se governar por um número que não fazia sentido.

Os sábios do País reuniram-se. A situação era caótica. Pois o que havia de ser feito?

O conselho de ministros resolveu chamar a senhora 0 e o senhor 1 à razão. Mas o caso estava perdido. Nenhum deles estava disposto a voltar ao seu antigo lugar.

– Perante esta situação catastrófica, só vejo uma solução – diz em voz alta o porta-voz dos ministros aos reunidos –, o ex-número 10 terá de sujeitar-se a uma separação judicial!

Todos estiveram de acordo. Perante o tribunal, foi decretado que a senhora 0 passaria a ficar separada do senhor 1 através de uma vírgula.

Assim, por meio desta sentença , o ex-número 10 passou a ser o número  0,1.  E, agora, já não podia continuar a reger o País dos Valores.  Pois o seu valor estava reduzido a dez vezes menos do que o do algarismo 1, que, como ainda te deves lembrar, ocupava a posição mais baixa na escala de categorias…



Outra solução não restou ao número 0,1, do que a de deixar o governo – cheio de tristeza –, e  abandonar o País…



D. Momo King

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