A LONGA NUVEM BRANCA – Lenda


Era uma vez, há já muitos e muitos anos, um rei muito poderoso e muito mau. Chamava-se Julião, o poderoso.  Tinha um reino muito grande e era muito rico: possuía muitos servos e tinha muitos vassalos. O seu castelo ficava no cimo do monte mais alto do reino e, de lá, ele podia ver todas as suas terras e controlar todos os forasteiros que passavam as suas fronteiras.

O rei Julião tinha uma filha. Chamava-se Flora e era a princesa mais bela que existia naquela altura: tinha cabelos castanhos e brilhantes, e olhos verdes, grandes, vivos e muito alegres.

Um dia, começou a aproximar-se o aniversário da princesa. Fazia ela, então, vinte anos de idade. E o rei, seu pai, resolveu dar uma grande festa. Mandou convidar todas as pessoas importantes do reino e fez saber, a todos os nobres que ainda eram solteiros, que daria a sua filha em casamento àquele que chegasse vestido com mais riqueza, no dia da festa.


Ora acontece que havia no reino do rei Julião, o poderoso, um servo muito pobre chamado Daniel…

Daniel gostava muito da princesa e, quando ouviu dizer que o rei a queria dar em casamento, ficou muito triste, porque ele também desejava casar com ela, mas não tinha roupas para ir à festa…


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Os dias foram passando, e cada dia o servo Daniel se sentia mais triste, pensando que ia perder a sua amada.


Uma noite, porém, quando estava sentado à porta da sua cabana, passou perto dele um homem de muita idade, vestido com um trajo muito antigo, e que lhe perguntou:

– Então Daniel, por que razão estás tão triste?

O servo olhou o homem, muito admirado, pois ele nunca o vira antes e este já conhecia o seu nome.

– Estás admirado? – perguntou o homem. – Não te admires, que há já muito tempo que eu te observo todos os dias, da janela de minha casa, e te vejo triste.

– Mas tu vives aqui no reino?! – perguntou-lhe Daniel, cada vez mais admirado.

– Aqui em baixo, não! Lá no alto! – exclamou o homem, apontando para cima.

– No céu?! – interrogou Daniel estupefacto.


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– Numa estrela – esclareceu o homem. – Naquela que brilha com mais intensidade – acrescentou ele, continuando a apontar para o céu. – É de lá que eu observo o que se passa sobre a terra.

– E por que razão é que fazes isso? – perguntou Daniel, que era muito curioso.

– Porque é essa a minha tarefa.

– Interessante! – comentou Daniel. – Quem diria! E como chegaste aqui?

– Ah! Esse é o meu segredo! Não posso revelá-lo. Terás de ser tu a descobrir…


– És muito estranho!… Mas diz-me… porque vieste ter comigo?

– Quero ajudar-te a casar com a tua princesa…

– És costureiro? – perguntou Daniel entusiasmado.

– Não. Costureiro não sou. Mas também não preciso de ser. As roupas que tu vais levar à festa já estão feitas à tua medida.

– A sério?! E onde estão? Eu não as vejo…


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– Claro que não! Primeiro vais ter de as conquistar…

– Queres dizer que vou ter de ir para a guerra, para as ganhar?

– Nem pensar! De guerras eu não gosto! Nas estrelas a vida é pacífica. Os seus habitantes nunca fazem guerra…

– Mas tu disseste que eu tinha de conquistar as minhas roupas…

– Sim, sim! Mas com a cabeça, não com os músculos!


– “Com a cabeça”?! – perguntou Daniel, surpreendido. Pois, no reino do rei Julião, o poderoso, os servos não tinham autorização para usar a cabeça, só os músculos. Dessa forma, o rei podia sentir-se  mais inteligente do que eles…

– Pois claro! – confirmou o homem. – Tu tens uma cabeça, ou não tens? E se tens, é para a usares. Não precisas de pedir autorização a ninguém… nem mesmo ao rei.

Daniel ficou intrigado com esta afirmação. Desta forma, ele nunca tinha visto as coisas. Mas… pensando bem, o homem tinha razão. Afinal de contas, por que razão é que ele havia de pedir autorização para pensar?! Os pensamentos estavam dentro da sua cabeça, logo, eram só dele. Não… para pensar, ele não precisava de autorização!


– Tens razão! – exclamou ele, por fim, concordando com o homem. – E como posso eu usar a minha cabeça para conquistar as minhas roupas para a festa? – perguntou interessado.

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– Terás de desvendar o mistério da ‘Ilha Encantada’… – respondeu o homem.

– E que ilha é essa?

– Pois isso ninguém sabe. Se alguém soubesse, já não era um mistério… A única coisa que eu te posso dizer é: onde ela fica e como podes chegar lá. Depois, terás de ser tu a desencantá-la…

Daniel concordou. Ouviu com muita atenção as instruções que o homem lhe deu para o caminho e, depois de ter preparado uma boa merenda, partiu de saco às costas…


Ao fim de muitos dias de viagem, por terra e por mar, chegou à ‘Ilha Encantada’. Reconheceu-a logo, mal a encontrou. Estava toda coberta por um espesso nevoeiro, tal como o homem lhe dissera. Não se conseguia ver um palmo à frente do nariz.

“Aqui, é mesmo preciso usar a cabecinha e pensar bem antes de dar o próximo passo”… pensava ele, prestando muita atenção a onde punha os pés. Não fosse cair nalgum fosso, do qual não conseguisse sair…

Pesquisou com muita curiosidade todo o terreno da ilha. Era grande… e animais não havia. As árvores estavam secas, sem folha alguma. Não havia flores. E as plantas estavam murchas… Não havia água doce na ilha: nenhum rio, nem lago, nem sequer uma nascente… Devia ser essa a razão… as plantas tinham murchado devido à falta de água. E, pensando bem, também por falta de sol. O nevoeiro, que envolvia a ‘Ilha Encantada’, não permitia que o sol passasse e alimentasse a vegetação…  


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Daniel ia averiguando as condições de vida naquele espaço e chegava cada vez mais à conclusão que aquilo devia ter sido o resultado de algum castigo: “Se calhar, foi alguma feiticeira má que encantou esta ilha”… pensava baixinho, com receio que a tal feiticeira fosse capaz de ouvir os seus pensamentos… Mas o que é certo, é que as feiticeiras não são capazes de ouvir pensamentos. E ainda menos, as más… Por isso, Daniel continuou o único dono dos seus pensamentos e foi sentar-se no chão, à beira de uma árvore, para descansar.  Adormeceu, de tão cansado que estava, e teve um sonho misterioso…


“Voava ele a cavalo num pássaro gigantesco, todo cor-de-laranja, que tinha corpo de avestruz e orelhas de morcego. E o pássaro falava, ou melhor, cantava… quer dizer, falava a cantar… Era um animal muito estranho. Mas Daniel gostou dele. Era bom andar a cavalo, por cima das nuvens!


E o pássaro explicava-lhe o que viam:

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–  Olha! Vês aquela estrela, lá longe, a da direita? Chama-se ‘Belatriz’ e pertence à constelação de ‘Oríon’. E os planetas deste sistema solar, sabes dizer-me o nome deles? Não?! Eu ensino-te…

E o pássaro gigantesco com orelhas de morcego explicava tudo, e tão bem, que Daniel aprendia com alegria e depressa. Dentro em breve, já sabia tudo sobre a ‘Estrela Polar’ ou a ‘Via Láctea’, sobre as ‘estrelas-cadentes’, que afinal eram ‘Meteoros’… e, sobretudo, aprendeu como a vida era bela, desvendando os seus mistérios! Depois, teve um desejo e perguntou ao pássaro:

– Levas-me até ao reino do rei Julião, o poderoso? Tenho saudades da minha princesa. Há já muito tempo que não a vejo e gostava de saber se ela está bem…


Tu ainda não sabes, mas a princesa Flora não estava nada bem… O dia da festa dos seus vinte anos já tinha passado, e tinha havido uma grande confusão. Como todos os nobres ambicionavam casar com a princesa, ocorreram ao castelo do rei, vestidos com roupas muito caras  todas ornamentadas de ouro. Cada um deles cismava que o seu fato era o melhor de todos e, por inveja, começaram a rasgar as roupas uns aos outros e a puxar-se pelos cabelos. Alguns, até andaram ao murro e partiram alguns narizes… Uma vergonha, é o que eu te digo! E todos adultos! Mas sem juízo… O rei não gostou da brincadeira e prendeu-os nos calaboiços do castelo, de castigo. Nem tiveram direito a comer do bolo de aniversário… Quanto à princesa, essa foi fechada na torre do castelo… Porquê? Bem, isso, ela também não percebeu! Bem vistas as coisas, ela era uma menina bonita e não tinha feito nada que merecesse castigo. Provavelmente, foi porque o pai pensou que, se ela não existisse, ele não tinha de a casar… Ou então, só fez isso porque tinha ouvido dizer que, nos contos, os reis sempre fecham as filhas nas torres dos castelos…


Quando Daniel passou perto da torre,  voando a cavalo no pássaro cor-de-laranja, a princesa, que estava à janela, acenou-lhe com alegria. O pássaro perguntou a Daniel se ele queria levá-la com ele, e este disse logo que sim, sem precisar de pensar. Claro que queria. Até nem queria outra coisa! E partiram os três a voar: o pássaro gigantesco, a princesa Flora e Daniel. E voaram… voaram… voaram… até que Daniel acordou”…


Mas já não estava sentado no chão da ‘Ilha Encantada’…

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A Fada dos Desejos Cor-de-rosa tinha-o transformado numa enorme nuvem branca, que estava mesmo por cima da ilha. E, olhando para baixo, Daniel viu a sua Flora transformada em vegetação. Ficou triste, por terem ficado separados, e começou a chorar lágrimas de chuva… Tantas, que se desfez por completo, e foi cair por cima de toda a vegetação da ilha…

A Flora ficou feliz, porque com a água da nuvem a alimentá-la, ela tornou-se muito bonita, com árvores cheias de folhas e campos verdejantes, sarapintados com as cores vivas de muitas e variadas flores.

Daniel conseguiu, desta forma, desencantar a ‘Ilha Encantada’, e ficou a viver lá, para sempre, com a sua princesa, a quem ele fazia muito feliz.


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Os animais começaram a aparecer de novo e, um certo dia, chegaram alguns homens em canoas. Não se sabe, ao certo, donde vinham, mas pertenciam a um povo muito sábio. Por isso, conseguiram descobrir o mistério da vida naquela ilha e deram-lhe o nome de Aotearoa, que no seu idioma significa: ‘A Terra da Longa Nuvem Branca’.


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D. Momo King

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