AS AVENTURAS DO MENINO SONO
Foi ao anoitecer de um dia quente de verão que Dona Preguiça e senhor Cansaço se conheceram.
Dona Preguiça tinha passado o dia na praia, de barriga para o ar, a apanhar banhos de Sol. E, mesmo depois de todos terem ido embora, ela ainda lá estava, sentada na areia, a observar o mar…
Foi então que apareceu o senhor Cansaço. Ele vinha do trabalho, como todos os dias àquela hora, pois o senhor Cansaço nunca tinha férias. E, vendo Dona Preguiça, achou-a tão bonita que não resistiu à ideia de a pedir em casamento. Dona Preguiça aceitou a proposta com alegria; e, passado algum tempo, nasceu-lhes um filho a quem deram o nome de Sono.
O menino Sono era um bebé encantador. Os pais, fascinados com o seu rebento, não conseguiam deixar de o admirar, dia e noite. De tal forma que, desde que o menino nascera, adormeciam permanentemente. O senhor Cansaço até deixou de trabalhar…
Assim, cresceu o menino Sono até aos oito anos de idade, rebelde e traquina, sem ter ninguém que o educasse. E como os seus pais passavam o tempo todo a dormir, decidiu deixá-los, partindo à procura da vida que ele gostaria de ter.
Passeou durante bastante tempo pela cidade à beira-mar, onde ele tinha nascido. E, aproximando-se desta ou daquela pessoa, tentava meter conversa, na esperança de encontrar um amigo que quisesse brincar com ele. Mas, mal se aproximava de alguém, logo era sacudido e atirado para um canto qualquer…
“Por que razão me tratam assim?”, interrogava-se o menino Sono, desiludido com a vida.
Dirigiu-se para uma floresta que ficava à saída da cidade. Admirou-se do silêncio. À beira-mar, havia muitas pessoas, carros, vendedores de gelados, gaivotas, pombas… e até havia cães que tomavam banho no mar e faziam corridas na areia da praia…, ali não! Só havia árvores, arbustos, ervas, musgos e pequenos caminhos de terra. Nem um animal se via. E, de repente, ficou noite. Uma noite muito escura, sem Lua e sem estrelas.
O céu estava cinza e nublado, como se estivesse para chegar uma tempestade. Até podia provocar medo. Mas o menino Sono não conhecia o medo. Nem sabia que ele existia. Por isso, continuou a andar pelos caminhos da floresta como se fosse dia e o Sol brilhasse…
Depois de ter andado algum tempo, encontrou um coelho que o cumprimentou:
– Viva, menino Sono! Que hora invulgar escolheu para me visitar!… Sempre pensei que chegaria de dia, entre as doze e as quinze horas…
O menino Sono ficou muito surpreendido com as palavras do coelho. Na realidade, eles nunca se tinham encontrado antes, e ele até sabia o seu nome. Perguntou-lhe, curioso:
– Donde me conheces?
– Aqui, todos o conhecem. Há muito tempo que o esperamos, menino Sono!
– Todos?!… Mas onde estão os outros?
O coelho aproximou-se muito do menino Sono, e segredou-lhe ao ouvido:
– Estão todos invisíveis, porque esta floresta foi encantada por uma feiticeira…
– Invisíveis?! – retorquiu o menino Sono, atónito.
– Psiu! fale baixinho… Ela ouve tudo… – disse o coelho, colocando a pata dianteira direita em frente da boca.
– Ela?! Quem é ela?
– É a Feiticeira da Noite. É muito conhecida… e muito má!!
Mas o menino Sono não conhecia feiticeiras, nem florestas encantadas, nem animais invisíveis. Ele só conhecia os cães e os gatos que andavam pelas ruas da cidade, e esses eram bem visíveis, até ladravam e miavam!
– Mas por que razão esperavam por mim? – perguntou ele, por último.
– Porque é o que diz uma antiga lenda que nos foi contada por um anão, há já muito tempo… – esclareceu o coelho. E, baixando de novo o tom de voz, continuou:
– Nessa altura, os anões e as fadas ainda visitavam a nossa floresta. E, onde agora há um pântano, existia um palácio, rodeado por um grande lago. Era lá que vivia o nosso príncipe Sonho. Pois é… a nossa floresta era um principado, e nós vivíamos muito felizes: havia muitas festas, o Sol brilhava todo o dia, e a Lua e as estrelas iluminavam o céu da noite…
Certo dia, porém, a Feiticeira da Noite começou a ter inveja da grande satisfação que o príncipe Sonho sentia por oferecer aos animais da floresta tanta felicidade. Ficou tão invejosa que resolveu fazer desaparecer o Sonho. Enfeitiçou-o. E tornou invisíveis todos os animais que protestaram, dizendo que queriam novamente o seu príncipe.
– Então e tu?! – perguntou o menino Sono curioso. – Não protestaste?
– Não, não!… Eu lembrei-me da lenda que o anão tinha contado. Dizia que esta floresta ainda haveria de ser encantada por uma feiticeira; mas, algum dia, no futuro, haveria de aparecer aqui o menino Sono, e um coelho iria ajudá-lo a encontrar o príncipe desaparecido… Por isso, fiquei caladinho, à sua espera…
– Uma atitude inteligente, sem dúvida! – comentou o menino Sono. – Então, e agora, onde vamos procurar o príncipe Sonho?
– Bem, na minha opinião, devíamos começar por investigar o que aconteceu ao palácio onde o príncipe habitava.
O menino Sono concordou, e os dois partiram juntos em direção ao pântano…
A viagem foi longa. Pelo caminho, o coelho ia muito desconfiado, espreitando sempre para todos os lados. “Onde estará a feiticeira?” – interrogava-se, preocupado. “Até admira que ainda não tenha aparecido!…”
O que o coelho não sabia era que a Feiticeira da Noite tinha muito medo do menino Sono. Podes crer! Tinha mais medo dele do que da luz do dia. Não sabes porquê?… Então presta atenção, porque ainda vais descobrir…
Chegaram finalmente ao pântano. Era enorme e lamacento. O menino Sono pegou numa pedra e atirou-a para dentro dele, para ver o que aconteceria. A pedra afundou-se de imediato, porque era muito pesada.
– Se nós tentarmos entrar no pântano, vamos afundar-nos – concluiu, desiludido.
– Tem razão – disse o coelho. – E o palácio de certeza que também está no fundo do pântano. É impossível chegar lá.
– E o príncipe Sonho? – perguntou o menino Sono, preocupado. – Ter-se-ia afundado?
– Duvido de que isso tenha acontecido! O nosso príncipe passava todo o dia e toda a noite sentado no seu trono, que era uma nuvem voadora. Não podia afundar-se – esclareceu o coelho. – O mais provável é que tenha sido feito prisioneiro e levado para o mundo da Feiticeira da Noite. Mas ninguém sabe onde esse mundo fica…
– Não pode ficar longe da floresta. Se a feiticeira invejou a alegria do príncipe Sonho, foi, certamente, porque do alto da sua torre ela podia observar-vos… – argumentou o menino Sono.
– Então talvez o seu mundo esteja situado ao sul da floresta. Passa por lá um rio muito largo, e quem o atravessou, até hoje, ainda não regressou…
– Interessante!… E se fossemos averiguar esse mistério?
O coelho gostou da ideia, e os dois amigos puseram-se rapidamente a caminho: o menino Sono, a passos ligeiros; e o coelho, a grandes pulos.
Ao fim de uma longa caminhada, avistaram o rio, ou o que dele restava, porque estava reduzido a um pequeno riacho. Tinha cerca de dois metros de largura. E a vegetação, naquela região da floresta, também tinha secado.
– O que teria acontecido aqui?! – perguntou o menino Sono, intrigado.
Mas o coelho fora igualmente apanhado de surpresa, e não tinha qualquer resposta àquela pergunta…
– Será melhor continuarmos a procurar do outro lado do riacho – propôs o menino Sono, passados alguns minutos.
– Precisas de ajuda? – perguntou-lhe o coelho, olhando receoso para a água.
– Nem por sombras! Eu nasci à beira-mar e sei nadar.
– Não tens medo da água?!
– Porque perguntas? Tu tens?
– Claro que não! – assegurou o coelho, que não queria dar parte de fraco. – É só por causa do meu pelo… custa muito a secar, e eu posso constipar-me. Mas eu sou um grande saltador!…
E, exibindo a sua agilidade, o coelho saltou logo para a outra margem. O menino Sono também atravessou o pequeno riacho com facilidade, pois o curso de água era pouco volumoso.
Chegados à outra margem, não precisaram de caminhar muito tempo até distinguirem a certa distância uma enorme torre feita de cartolina preta e muito espessa. Era tão alta que se metia pelo céu dentro e se escondia entre as nuvens. Tinha uma forma afunilada, e não se conseguia ver o seu cume.
Aproximaram-se da torre com todo o cuidado, pois era muito alta e parecia pouco estável. Andaram à sua volta, procurando uma entrada, mas… nada!
– E agora? – perguntou o menino Sono. – Por onde vamos entrar?
– Ora deixa cá ver… – respondeu o coelho, dando de seguida uma trinca na cartolina. – Hum-hum!… não sabe nada mal, e eu preciso de desgastar os meus dentes com regularidade. Estão em contínuo crescimento, sabes?… Se não os desgastar, podem ficar demasiado grandes. Imagina a desgraça que seria…
O menino Sono preferiu não imaginar. Em vez disso, foi arrancando, uma após outra, as tiras que ficavam dependuradas, sempre que o coelho trincava a espessa cartolina.
Depois de muito trabalho, os dois amigos tinham finalmente conseguido fazer um buraco por onde puderam passar para o interior da torre.
Lá dentro estava muito escuro, mas eles não tiveram medo da escuridão: o coelho, porque já estava habituado a viver numa toca debaixo da terra; o menino Sono, porque gostou logo daquele lugar tranquilo, sombrio e cheio de mistério…
No centro da torre havia uma escada em caracol, que os dois amigos foram subindo, degrau a degrau. Mas a escada parecia não ter fim, e o coelho estava quase a desistir de continuar, quando em frente dele surge um patamar de nuvens cinzentas…
O menino Sono hesitou em abandonar o último degrau da escada. “Será possível andar por cima de uma nuvem?”, interrogou-se.
O coelho, porém, ficou tão feliz por as escadas terem terminado que saltou logo de seguida. E como era bom pular por cima das nuvens fofas!…
O menino Sono, vendo a alegria do coelho, seguiu-o. E ambos começaram a procurar o príncipe Sonho…
Encontraram-no, por fim, sentado na sua nuvem branca.
Era um menino de oito anos de idade, com cabelos louros aos caracóis e grandes olhos, azuis e brilhantes. Tinha vestida uma túnica orquídea e, sobre os ombros, usava um luminoso manto real, feito de seda pura, que refletia as cores do arco-íris. Em cima da sua cabeça, no centro dos cabelos volumosos, havia um ninho. E nesse ninho havia um rouxinol que cantava maravilhosamente.
“É muito engraçado! Vai ser divertido brincar com ele…”, pensava com alegria o menino Sono, enquanto observava o pequeno príncipe.
O problema é que o Sonho não estava livre. A Feiticeira da Noite mantinha-o preso numa jaula de ferro. E ela estava sentada por cima da jaula, a contar as nuvens em forma de ovelha, que saltavam no céu diante dela.
A Feiticeira da Noite era mesmo muito feia: tinha uma enorme cabeleira preta, toda despenteada; um nariz arrebitado, com umas narinas gigantescas; e uns olhos tão pequeninos como os de uma ratazana. Estava toda vestida de negro, com uma camisola de lã grossa e uma saia rodada, que lhe chegava até às pantufas que trazia nos pés.
– Como podemos libertar o príncipe Sonho? – perguntou baixinho o coelho ao Sono. – Grades de ferro são duras de mais para os meus dentes… E a feiticeira está a observar-nos…
Mas o menino Sono não teve medo da feiticeira. Ele nem conhecia o medo! Além disso, foi ela quem começou a tremer, assim que o viu: de repente, sentia as pálpebras pesadas, bocejava consecutivamente, e as nuvens em forma de ovelha, que saltavam no céu diante dela, começavam a dissipar-se. O seu corpo começou a dobrar-se lentamente e, em poucos segundos, já a Feiticeira da Noite dormia profundamente, ressonando muito alto. Agora, nem o coelho a temia…
O menino Sono aproximou-se da feiticeira e prontamente tirou do grande bolso da sua saia rodada uma chave com que abriu a jaula onde se encontrava o príncipe Sonho. Depois, puxando a Feiticeira da Noite pelos pés, meteu-a dentro da jaula de ferro, onde ainda se encontra presa nos dias de hoje, sem acordar…
Por fim, os três amigos viajaram de regresso à floresta, sentados juntos no trono do príncipe Sonho, que era uma nuvem voadora. E como o menino Sono tinha conseguido vencer a feiticeira má, os animais, que, entretanto, já estavam todos visíveis, organizaram uma grande festa, para a qual convidaram as fadas e os anões…
O coelho, pela sua esperteza e coragem, foi nomeado para o cargo de Ministro de Defesa da Floresta. Até lhe deram um nome: agora chama-se Maximiliano!
O menino Sono e o príncipe Sonho ficaram amigos para sempre. Hoje, vivem juntos no palácio do principado. E, quando tu dormes, eles vêm ter contigo, sentados na nuvem voadora, para te darem sonhos felizes…
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